segunda-feira, 14 de junho de 2010

Crónica de Luis Freitas Lobo

O que queres ser quando fores grande?
Luís Freitas Lobo (www.expresso.pt)
0:00 Quarta-feira, 9 de Junho de 2010

Chegou a hora de responder às perguntas mais difíceis. A mais clássica faz parte do crescimento de qualquer ser vivo (individual ou colectivo).

No início do crescimento, a primeira pergunta que mais nos atormenta é simples. O que queres ser quando fores grande? Numa altura em que é possível "querer ser tudo", é difícil dar uma resposta tão concreta. Uma equipa de futebol (como o jogador) também passa por um processo semelhante. Até que surge um momento em que a pergunta faz mais sentido. É obrigatória mesmo. E exige uma resposta clara. A selecção "queiroziana" pós-Scolari foi confrontada com esse dilema cedo de mais. Tremeu, hesitou, mas acabou por descobrir um rumo. Agora, com o Mundial no horizonte, chegou a altura certa de a confrontar com essa questão nos relvados da África do Sul. A selecção atingiu um ponto de maturidade ao qual se pode exigir saber "o que quer ser".

Esta forma de colocar a questão surgiu-me ao ver como, no último jogo contra os Camarões, Nani entrou, jogou, marcou e festejou, com semblante mais fechado, o seu golo num remate encantado que parecia ter feito levitar a bola. O seu percurso, num processo de crescimento humano e desportivo (de Alvalade a Manchester, suplente ou titular) é uma metáfora do caminho feito por esta selecção. Nesse sentido, Nani é hoje o jogador que melhor personifica a sua alma. Porque, no fundo, passou por um processo individual de crescimento (com avanços e recuos, frustrações e alegrias) muito idêntico.

A verdade é que as ideias, quando são apresentadas com coerência e dentro de um plano estratégico consistente, captam a atenção e seduzem a audiência. Pouco a pouco, a selecção de Queiroz foi respondendo aos "porquês" do público mais exigente, através da fidelidade a um projecto e respeito a uma filosofia de jogo. Os jogadores também "cresceram" com ela. Nani é hoje o que mais revolucionou esse pensamento e arrombou com um "chapéu" de grande classe a porta da titularidade no onze. Com a sua atitude, "disse" que a selecção pode ser, no cenário mundialista, tudo "o que quiser". Sonhar com o título mundial será, num mundo futebolisticamente "normal", utópico. Mas combater essa lógica pode ser, no entanto, um bom princípio para esta equipa decidir o que quer ser, agora que já é "grande".

Este será o quinto Mundial da história do futebol português. Antigamente, como aspirante a "primeira figura", parecia um caso perdido. Agora, é diferente. Olhando o passado e o presente, acredito que será aquele em que os jogadores menos sentirão o peso do cenário. Imagino Cristiano Ronaldo a pousar no relvado sul-africano com a mesma segurança de uma ave migratória. Coração forte e detector de minas. Isto é, personalidade com a bola e capacidade de fuga aos defesas adversários. Aos 25 anos, está no auge da sua carreira. A idade onde se cruzam, com maior impacto táctico-atlético, todas as qualidades. Antes da equipa jogar para ele, deverá ser ele, primeiro, a "entender" a equipa. Nesse contexto, o passe que fez para o golo de... Nani pode ser outro sinal de uma boa resposta à pergunta que faz o título deste artigo. Embora não cresça mais fisicamente, Deco, o guia táctico-espiritual-mor, será outra forma ideal de "falar" em campo (através do passe e organização de jogo ofensivo).

Futebolisticamente, este é o tipo de resposta que já só pode ser dada pelos jogadores. Ou melhor, por alguns jogadores com poderes espirituais dentro do onze. Vindos de pontos diferentes, estes três jogadores (Nani, Ronaldo e Deco) marcam a personalidade híbrida desta selecção onde o treinador deve ser sobretudo uma espécie de "coreógrafo táctico". Mais do que a palestra táctica, a palestra emocional. Para a equipa (jogadores) se sentir "grande". E responder sem medo à questão que tanto assusta o nosso crescimento.

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