sexta-feira, 30 de abril de 2010

Crónica Luis Freitas Lobo

As 'coreografias' do futebol

Luís Freitas Lobo (www.expresso.pt)
9:00 Quarta-feira, 28 de Abril de 2010

Nasceu um novo ciclo no futebol português? Descodificando a explosão do 'novo' Benfica e 'quebra' do velho FC Porto. Causas e efeitos.

No mesmo dia em que perdeu, matematicamente, qualquer possibilidade de discutir o título desta época, o FC Porto recebeu a taça de campeão da temporada passada. O futebol português vive muito destas 'realidades difusas'. Parece transformar-se de um momento para o outro. A 'nuvem cinzenta' que pairava por cima da entrega do troféu a Bruno Alves nasce de 'outro tempo', o actual, diferente daquele onde caminhava outro tipo de jogadores de azul-e-branco. Num ano muita coisa muda. Nos dois sentidos.

O renascimento, em campo, deste novo Benfica tem uma origem clara: o seu treinador, Jorge Jesus. Respeitou os conceitos básicos para fazer uma boa equipa: uma boa ideia de jogo e jogadores inteligentes para a interpretar. Argumento (táctica) e representação (acção dos jogadores) sem o onze revelar um casting muito diferente em relação à época passada. A diferença esteve na 'adequação' táctica. Uma ideologia de jogo que entendeu os jogadores e a cultura de clube adormecida.

David Luiz (recolocado na sua 'casa táctica' de defesa-central), Di María (de rebelde individualista a rebelde com causa no um-para-um), Aimar (fisicamente gerido e protegido respeitando a sua importância-chave no jogo), Cardozo (regressado ao lugar de nº 9 referência, apoio e remate, mas com companhia por perto), Ruben Amorim (bisturi táctico fundamental para jogos específicos) ou, até, Luisão (supradimensionado para chefe do exército defensivo) e Carlos Martins (temperamentalmente domado). Novas caras, Ramires (o 'etíope' incansável), Javi Garcia (a 'âncora' que, atrás, mantém a equipa com os pés presos à relva) e Saviola (o 'coelho' a mais que aparece e desaparece na chamada 'zona de ninguém', o célebre espaço entrelinhas). Entendidos os intérpretes, a mudança da 'coreografia': do 4x4x2 clássico (longo e sem elos de ligação) ao 4x1x3x2 (sempre em permanentes conexões de uma área à outra).

A quebra do FC Porto tem causas múltiplas. Ao contrário do êxito encarnado que tem um progenitor claro no treinador, o seu fracasso não pode seguir a mesma lógica simplista. Na 'quarta reconstrução', Jesualdo Ferreira não teve (e/ou não soube) manejar os novos 'componentes químicos' (leia-se jogadores) para congeminar a fórmula certa de manter o laboratório portista em ebulição. Quis manter a mesma coreografia táctica (4x3x3), desconfiou do 4x4x2 e acabou preso nesta armadilha. A 'bomba-Jesus' teve detonação fragmentada e muitos dos seus estilhaços caíram mesmo no centro do universo portista. A maior competência táctica (e, claro, os melhores actores) fez a diferença global. De excelentes jogadores, o FC Porto passou a ter alguns jogadores 'interessantes'. Não é a mesma coisa.

Falcão revelou-se um 'predador do golo', mas é o tipo de avançado que só cresce à medida que a bola se aproxima da área. Nos anteriores projectos de Jesualdo existiu sempre outro tipo de avançado no centro do ataque. Mais do que esse avançado crescer quando a bola se aproximava dele, era o jogo que, nessas alturas, ganhava outra dimensão. Ou seja, o jogo passou a colocar perguntas diferentes exigindo respostas... diferentes. Jesualdo (perante realidades distintas) deu as mesmas. E perdeu. Uma queda acentuada sem o jogador que, fugindo às perguntas do jogo, consegue, muitas vezes (em jogadas individuais) falando tacticamente sozinho, fugir às questões tácticas colectivas. Hulk, o 'disfarce perfeito'.

Jesus sente que tem o campeonato conquistado. Desde há várias jornadas que já mais ninguém o pode ganhar. Só ele o pode perder. Quando Luisão estiver a receber a taça de campeão desta época daqui a um ano, o grande desafio 'encarnado' é, quando isso suceder, a realidade não ser muito diferente da actual. Será a certeza de que o futebol português entrou mesmo num 'novo ciclo' e não apenas numa outra 'realidade difusa' do momento.

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