quinta-feira, 6 de maio de 2010

Crónica de Luis Freitas Lobo


"Nós não queremos a bola!"
Luís Freitas Lobo (www.expresso.pt)
9:00 Quarta-feira, 5 de Maio de 2010

A bola não é imprescindível para vencer. Mourinho e o seu exército táctico ganham Barcelona. 11 jogadores e um muro.

Quando, cerca de meia hora para começar o jogo, Mourinho entrou sozinho no relvado do Camp Nou para acompanhar o aquecimento da sua equipa, a explosão de assobios que 100 mil pessoas enlouquecidas lhe dirigiram levava toda aquela atmosfera para dimensões quase sobrenaturais. O seu semblante esfíngico, sobrolho carregado, enchia os ecrãs gigantes do estádio. Naquela altura os seus jogadores como que deixavam de existir. A pressão estava toda sobre ele. Mourinho é hoje muito mais do que um simples treinador. Mestre da táctica, defensor de um futebol científico, desenhando em blocos de papel quadriculado fórmulas defensivas com o sorriso do diabo, joga com a mente como mais nenhum outro.

O Barcelona com a bola (76% de posse!). O Inter com o controlo do jogo. Como é possível estas duas realidades coexistirem simultaneamente? Simples: o futebol não respeita percentagens. Só ideias. E, neste mundo de paradoxos, nem sempre as esteticamente mais sedutoras vencem. A explicação quase nos leva para um 'labirinto'.

Pode parecer estranho, mas no táctico futebol moderno um dos factores mais importantes numa equipa é em campo saber perder a bola! Ou seja, quando têm a posse da bola, os jogadores devem estar sempre conscientes de que a única coisa inevitável (não marcando golo, o que é raro) é perderem-na! 'Saber perder a bola' significa que quando o adversário a recupera e parte para o ataque a equipa não fica desequilibrada a nível de posicionamento defensivo. Não é fácil. Por isso, Mourinho explicava no final do jogo contra o Barcelona que, durante o jogo 'dos milhões', os momentos de maior preocupação foram aqueles em que a sua equipa... tinha a bola!

A razão é simples: receava que quando a perdesse, também perdesse o rigor posicional defensivo, sem dar um centímetro de espaço para os artistas do Barça furarem. Por isso, confessou ter mesmo dito aos seus jogadores: "Nós não queremos a bola. Deixem-na para eles!". E todos respeitaram, sem mexer um nervo da face, esse cínico guião táctico, erguendo um autêntico muro à frente da sua baliza.

Dirão que o Inter não joga sempre assim, que estava com dez, que já fez boas exibições a atacar ou em contra-ataques (como na primeira-mão ou em Londres com o Chelsea), mas, em Barcelona, contra o futebol de passa-recebe-passa de Guardiola, aquela seria uma opção estratégica consciente.

É este o ponto a que chegou o futebol actual. Elogie-se a mestria estratégica ou condene-se o futebol ultradefensivo, ele espelha as equipas da actualidade, que são, cada vez mais, 'exércitos tácticos' comandados pelos seus treinadores. Nesse universo, a bola é quase um ser estranho. Já não é indispensável para ganhar. Leva aos pensamentos mais bizarros. Comentando o jogo em directo, cheguei a dizer coisas como "Diego Milito está a fazer uma grande exibição mas sinceramente... não me lembro de o ver tocar na bola alguma vez!". Tudo isto perturba mais do que fascina. Por isso, num ápice, o génio de Messi eclipsou-se, Eto'o virou defesa-esquerdo, Ibrahimovic foi substituído, passando um defesa-central para ponta-de-lança, Piqué, que fez um golo, e o melhor em campo é um 'trinco', Cambiasso, o 'aranha', que cortou tudo o que lhe apareceu à frente.

Mourinho inventou uma personagem que, em forma de treinador de futebol, vive muito para lá do 'ser humano'. Nesse contexto, até a bola parece um objecto misterioso dentro do relvado. É quando o seu 'exército' se sente melhor.

1 comentário:

  1. Futebol não há só um...

    É verdade que o Barcelona tem um tipo de jogo mais atractivo mas penso que o verdadeiro treinador é aquele que prepara a equipa para os objectivos que tem em mente...

    O Mourinho teve a preocupação de fechar a sua equipa, defendendo a vantagem que ganhou na 1ª mão... O Barça tinha de ir atrás do prejuízo...

    Não podemos dizer que o Inter é melhor ou pior... apenas foi mais eficaz...

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