sexta-feira, 28 de maio de 2010

Crónica de Luis Freitas Lobo

As portas da imortalidade
Luís Freitas Lobo (www.expresso.pt)
9:00 Quarta-feira, 26 de Maio de 2010

Van Gaal e Mourinho. O "feiticeiro" e o seu "aprendiz". Uma história clássica que, a dado ponto, se torna num supremo confronto.
Quando, nos anos 60, Bill Shankly, mítico treinador que fez o grande Liverpool, recebeu Jock Stein, outro mito dos bancos, após ter ganho a Taça dos Campeões Europeus pelo Celtic (3-1 na final ao Inter), apenas lhe disse: "Jock, a partir de agora és imortal!" A actual Champions segue a mesma linha de pensamento. Mourinho e Van Gaal já têm esse lugar na eternidade futebolística vindo de épocas anteriores e em clubes onde isso parecia impossível. Van Gaal, Ajax, 95; Mourinho, FC Porto, 2004. Mas querem mais. Ambos com processos de construção invulgares, que a dado momento se cruzaram, mas sempre muito diferentes entre si.

Mourinho, saído das profundezas do mais cinzento futebol português (onde os treinadores são despedidos com um telefonema que interrompe um almoço de Natal - o acontecimento que mais o marcou quando viu isso acontecer ao seu pai), abriu fronteiras (na mente e no treino) vagueando por escolas diferentes. A tradicional inglesa, fighting spirit e ataque, de Robson. A metódica holandesa, táctica e disciplina, de Van Gaal. Se Robson foi o lado emocional, Van Gaal foi a ciência. Um general do treino mas que, a dado momento da cadeia de evolução, deixou de seduzir o 'aprendiz' Mourinho, que, a certa altura, sentiu que podia fazer as coisas de 'forma diferente' do 'feiticeiro' mestre. E fez. A filosofia-Van Gaal ficou, porém, em muitos traços do pensamento-Mourinho.

A importância capital da preparação prévia do jogo a partir do estudo do adversário, a estratégia baseada num forte processo defensivo a todo o campo e os blocos de notas, os inúmeros rabiscos feitos durante os jogos, método iniciado pelo "general laranja". Hoje, porém, existe um abismo a separá-los.

Van Gaal, mais velho, ganhou de formas diferentes em locais diferentes. O seu Ajax campeão europeu foi feito com promessas que jogavam ainda com uma 'casca de ovo na cabeça'. Seedorf, Kluivert, Davids e um 'avô' em fim de carreira, Rijkaard. Depois, em Barcelona, com super-estrelas, impôs a sua disciplina, pondo de lado Rivaldo ("porque só acredito no talento se dentro dele também estiver o homem com vontade de aprender"). Foi, a seguir, campeão holandês pegando numa modesta equipa do meio da tabela, o AZ, e, agora, em Munique, reacendeu o monstro bávaro na Europa.

Mourinho faz as equipas de forma diferente. Procura os 'seus jogadores'. Homens que o sigam até à berma do precipício. E, se for preciso, saltem com ele. Uma atitude que também gere a sua equipa técnica. Em vez de fazer jogadores, procura despertar neles instintos e forças escondidas. Foi assim, a níveis diferentes, no FC Porto e Chelsea. Ganhar o campeonato italiano com o Inter era quase uma 'formalidade obrigatória'. O grande passo para a eternidade está na Champions, o título que foge ao Inter desde 65 (há 45 anos), quando no banco ainda estava um treinador mescla de mago e diabo, Helenio Herrera, inventor do catenaccio, avançado no tempo a todos os níveis, no estilo, poder da imagem, tácticas e jogos mentais. Tal como Mourinho, afinal.

Ao eliminar o Barcelona do futebol bonito, através de uma estratégia defensiva que fechou todos os caminhos para a baliza, aumentou ainda mais a carga dramática do seu futebol, entre a 'diabolização' (dos que viram o triunfo de uma ideia de jogo repressiva) e a admiração (dos que viram uma grande estratégia táctica).

Não faz sentido, porém, falar no perigo do triunfo do 'futebol defensivo'. Qualquer grande equipa no futebol actual tem de ser muito mais do que só uma atitude no jogo. As melhores são mesmo as que mesclam os conceitos mais básicos e melhor manejam as diferentes formas de dar importância à bola, muitas vezes da forma mais estranha. Como? Defendem bem quando a têm na sua posse e atacam melhor quando a perdem. Estranho? Nem por isso. O segredo está em adivinhar o que o adversário vai fazer quando ela muda de dono e, depois, saber com antecedência o que fazer quando ela volta aos nossos pés. É o moderno 'futebol-total'.

Clicar para ver o resto do texto

Sem comentários:

Enviar um comentário