quinta-feira, 13 de maio de 2010

Crónica de Luis Freitas Lobo


O meu reino por um ponto
Luís Freitas Lobo (www.expresso.pt)
9:00 Quarta-feira, 12 de Maio de 2010

Nunca um ponto pareceu tão gigante. Um pequeno passo para um jogador, um grande passo para o "mundo benfiquista".

Diz Arsenio Iglesias, logo no início do livro "Arsenio: El Futbol de El Brujo", que "detesto vencedores natos". E ninguém melhor do que ele sabe do que fala. Arsenio Iglesias, agora na reforma, mas acariciando todos os dias uma bola, era o treinador do Corunha naquela sobrenatural noite de Maio de 1994 quando, com o resultado 0-0, o seu defesa-central sérvio Djukic falhou, no último minuto do derradeiro jogo do campeonato, um penálti que daria o título inédito de campeão ao clube galego. Nenhum romance de futebol consegue ser mais dramático do que esta realidade.

Domingos lembrou este caso após um dos últimos jogos do Braga. Pretendia, assim, quase apelar ao sobrenatural futebolístico para sustentar a possibilidade de o Benfica ainda poder perder o campeonato, a única forma de, consequentemente, o seu Braga o ganhar. Disse-o um pouco sorridente. Depois disso, na jornada seguinte, o Benfica perdeu no Dragão. Uma derrota no plano mental (descontrolo emocional em momentos-chaves do jogo) e táctico (dificuldade para entender as diferentes fases pelas quais o jogo passou e, de início, renúncia a uma estratégica que pedia maior astúcia defensiva em vez da permanente visão ofensiva que marcou toda a época).

Não há drama nenhum, claro, em perder um jogo. Sobretudo após 28 em que a equipa esteve tão perto de uma perfeição que quase fazia os jogadores voarem em campo e levantarem os adeptos nas bancadas. A forma como quebrou nos três maiores testes táctico-emocionais (Braga, Liverpool e Porto) diz, porém, algo mais da realidade benfiquista. Uma espécie de 'subterrâneo táctico hostil' onde a equipa ainda não se consegue mover. Jesus sabe disso, mas a confiança nos seus processos de jogo levaram-no a renunciar a essa mudança estratégica com receio de, assim, perder a sua identidade, o ADN táctico de bom futebol que marcou a época.

O melhor que uma equipa (e um treinador) deve fazer é viver (ganhar e perder) com as suas ideias e personalidade. Mas o futebol tem muitos caminhos (e atalhos) tácticos. Em certas ocasiões, há que correr para atacar. Noutras, há que parar para defender. No Dragão, o Benfica não conseguiu descobrir esta fundamental lógica de jogo e perdeu. Uma derrota que voltou a encher o peito de Domingos que, desta vez, não teve de recorrer ao sobrenatural argumento do penálti no último minuto.

A pressão emocional é, por vezes, mais forte do que a questão táctica, mas, neste caso, Jesus não viveu toda a semana nessa "pressão de medos e receios". O jogo com o Rio Ave tem os contornos idênticos àqueles em que o Benfica goleou. Estádio da Luz cheio, atmosfera empolgante, o adversário meio assustado. Faltam Di María, o mágico que finta e inventa no um-para-um. Falta Javi Garcia, a âncora que equilibra toda a equipa desde trás. E falta Coentrão, o lateral que vira extremo quando decide atacar. Poderão surgir Airton, para a casa de Javi, Aimar, de novo titular na casa do maestro, e Weldon, o avançado mais perigoso no qual, estranhamente, Jesus hesita tanto em apostar de forma firme. Todos jogadores (talentos) com qualidade suficiente para ultrapassar o gigantesco fosso de um ponto que separa o Benfica do título. Mesmo com um penálti no último minuto.

90 minutos para o final. A última fronteira. Um jogo e o estádio com o secreto desejo de que pudesse existir em campo uma bola para cada jogador benfiquista. Não é possível. A potência sem controlo não existe. Entender as lógicas de cada jogo é o segredo. Este Benfica sempre elegeu a opção mais tremenda, voraz e ofensiva. Será a indicada para dar o último passo. Ou não?

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