segunda-feira, 7 de junho de 2010

Crónica Luis Freitas Lobo

O Ferrari e o helicóptero
Luís Freitas Lobo (www.expresso.pt)
17:16 Quarta-feira, 2 de Junho de 2010

O ego dos jogadores e a construção da equipa. Do balneário para o relvado. O espelho e o gel, a bola e a chuteira. Todos rumo ao Mundial.

Uma selecção é uma babilónia de egos. Cada jogador transporta consigo os seus sonhos. A noção de equipa ou do adepto não existe à partida como num clube. Como não existe a imagem de autoridade do presidente e até a do treinador é mais ténue. Ele não decide o futuro, só o presente. Com este contexto, a primeira tentação do jogador é sentir-se mais importante do que o grupo. Cada um chega com o seu 'mundo particular'. De boleia com a namorada, em grupo quando são amigos mais próximos, sozinhos no seu carro (variando a cilindrada), há de tudo. Um Ferrari, um jacto para ir passar um fim-de-semana a casa e até um... helicóptero. Na mala, playstation, iPod, iPhone, DVD, e tudo aquilo que pode ajudar a compor o visual. Um jogador com gel, penteado na moda, roupa de marca. Está criado o cenário ideal para começar a 'trabalhar' (treinar).

Cristiano Ronaldo há muito que disparou do terreno do futebol português para outra galáxia onde é difícil estabelecer contacto. Ver um jogador chegar de helicóptero ao estágio de uma selecção coloca-nos na fronteira do surrealismo. Um gesto hollywoodesco que foge à noção de grupo. Porque isto é 'apenas' futebol. A base, jogo e construção da equipa, não foge muito ao que se fazia há 40 ou mais anos, com jogadores só de 'carne e osso'. Por isso, quando no Brasil voltamos a jogar com a 'bola quadrada' (como diria o saudoso Carlos Pinhão) sugeri que uma medida a tomar seria a de tirar os espelhos do balneário. Continuo a pensar o mesmo. Queiroz sabe construir egos. Formou uma nova mentalidade de jogador português. Outro desafio é gerir egos. Mais difícil, ainda, num tempo em que o jogador se sente mais importante do que a equipa. Isto é, respeita o colectivo, mas não o preconcebe na sua mente.

Mas, de repente, a bola começa a rolar. O 'ego táctico' desta selecção ainda não se libertou do 'ego dos jogadores'. O jogo vive de 'picos'. Muda de velocidade sobretudo através de iniciativas individuais. Falta a interacção (mental e táctica). O sistema é importante mas só como princípio da acção.

Tacticamente, discutir hoje a selecção é pensar em Pepe. Vai ou não recuperar e em que condições? Vendo a missão que Queiroz pede àquela posição (médio-centro defensivo) ele é a 'âncora' do sistema, o pilar (táctico/atlético) da organização defensiva. Pedro Mendes, o seu substituto natural, até é mais evoluído com a bola e no passe, mas a questão é que, naquele espaço, Queiroz prefere antes um jogador com maior dimensão física, jogo aéreo (também nas bolas paradas) e velocidade.

Ronaldo continua na selecção, tal como no Real Madrid, a jogar (e a querer resolver as coisas) demasiado depressa. Sempre que pega na bola é uma passagem para outra fronteira de velocidade que só ele entende. Corre e joga mais depressa do que o resto da equipa. Tal não implica, porém, que pense primeiro o jogo, colectivamente falando. Nesse ponto, Deco, mesmo parado, pensa o jogo (a decisão mais correcta a tomar) pelo menos 'cinco segundos' antes de Ronaldo. Ou seja, a velocidade no futebol tem interpretações (e aplicação) diferentes de outro desporto. Nesta fase da sua carreira, maturidade futebolística atingida, é este factor que mais confunde ao ver o jogo vertiginoso (empolgante mas difícil de acompanhar) de Ronaldo. Às vezes, desde a bancada, fico com a ideia que ser seu companheiro de equipa não deve ser fácil.

A babilónia da selecção está, porém, garantida. O Ferrari de Hugo Almeida, o jacto de Deco, o helicóptero de Ronaldo. Upgrades estilísticos fora das quatro linhas. Falta, agora (entre o 4x3x3, o 4x4x2 e a noção de equipa) o upgrade, táctico e humano, dentro do campo.

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